quarta-feira, julho 05, 2006

Anestesia

"Os problemas voltaram, minha gente.
Todo mundo voltou a sofrer com os impostos, com a violência e com a impunidade que nos são características.
Tudo voltou a ser como antes depois que a Copa terminou para os melhores do mundo.
E como a gente não merecia destino como esse, viu!
Somos um povo sofrido demais para aguentar a decepção de ver nossos heróis serem injustamente derrotados novamente por aquele bando de velhos apreciadores de queijos fedidos!
Onde já se viu? Posso apostar que rolou uma venda de partida igualzinha à de 98!
Só isso explica como nosso perdeu!
Nós somos invencíveis! Somos os melhores do mundo! Somos penta!"


Talvez o discurso tenha sido um pouco diferente, menos fanático, mais coerente ou mesmo menos correto gramaticalmente, mas tenho certeza que todo mundo já ouviu algum dos nossos 180 milhões de técnicos de futebol tratando do assunto Copa do Mundo com uma visão muito parecida com essa.
Visão, no mínimo, míope, para não desrespeitar muito meus queridos companheiros de pouca visão.

Ainda ontem eu buscava os adjetivos mais apropriados para o futebol brasileiro junto de duas amigas que não são nem de longe enciclopédias de futebol.
É certo que eu ainda estou meio magoado pelo que vi contra a França, mas acho que o resultado não foi dos piores.
Eu e minhas amigas, mais eu do que elas, acabamos concluindo que o futebol brasileiro, aquele que se pratica na Seleção, não exatamente o que vemos em peladas, torneios da empresa ou jogos de solteiros contra casados é:
- individualista: por que os argentinos adoram nos chamar disso quando ganhamos alguma coisa;
- arrogante: por que seguimos achando que os adversários vão tremer ante a nossa camisa amarela e não precisamos nem entrar em campo;
- habilidoso: por que é e pronto;
- soberbo: por que a derrota nunca é uma possibilidade;
- burro: por que poucos, pouquíssimos se dão ao trabalho de traçar estratégias e estudar o adversário.

Não quero me juntar aos chatos que teimavam em torcer contra e nem àqueles ufanistas que conclamavam a pátria de chuteiras, mas me acho no direito de emitir minha opinião, mesmo que ela não seja ouvida por ninguém.
Por mais que eu goste de democracia, realmente acho desnecessário proclamar aos quatro ventos que deseje que a Seleção perca para que o povo passe a se dedicar aos problemas reais.
Discordo dos que usam a teoria do pão e circo para descrever os momentos de alegria do povo durante a Copa.
Acredito mesmo que ninguém deixa de viver ou de se preocupar com o cotidiano apenas por que o Ronalducho está batendo recordes ou por que Zizou destrói nosso time uma segunda vez.
Sou da turma dos que acham que futebol é alegria e diversão, eventualmente vício, mas nunca alienação.
É um esporte como qualquer outro, amado por milhões e ignorado pelos estadunidenses.
É uma coisa linda, mesmo quando não sai do zero a zero.
É uma das desculpas mais perfeitas que os heterosexuais têm para abraçar uma pessoa do mesmo sexo sem despertar conotações indesejadas.
É a minha maneira predileta de relaxar durante quase duas horas. Obviamente quando não estou transando ou devorando um bom risoto.

Se para alguns é uma anestesia geral, para mim não passa de um base leve o suficiente para tontear sem derrubar.
E eu desejo que nossos queridos Roberto Carlos e Cafu tenham aposentadorias muito felizes e saudáveis, já que gordas elas já serão com certeza.
Apesar dos serviços prestados à Seleção, é hora de darem lugar a pessoas mais motivadas e que precisem de algo mais do que bater recordes.

É gol, que felicidade! É gol, o meu time é a alegria da cidade!

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